sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Nova parceria: Editora Draco!



Olá, pessoal! Para quem não conhece, a Draco é uma editora voltada apenas para a literatura nacional, não importando o gênero; fantasia, ficção científica, romance, horror, e por aí vai. Recentemente eles abriram inscrição para novos parceiros e interessada em conhecer mais escritores brasileiros, acabei me inscrevendo. A Draco é a primeira editora parceira do Chimeriane (e, sendo bem sincera, provavelmente vai ser a única). 

Eu até passei lá no estande da Draco na Bienal, mas acabei não comprando nada e ficando na vontade. Abaixo estão alguns livros que eu quero ler da editora, através da parceria ou não:
  • Monstros Gigantes

Você pode senti-lo se aproximando. A cada passada, um terremoto. A cada sombra lançada, pânico e terror. Seu urro estilhaça vidraças e mentes. Seus golpes não deixarão pedra sobre pedra. Será a cidade devastada por sua passagem mais uma vez?
Das mais antigas eras até o futuro incerto, esses terríveis colossos assolam a Humanidade, nós que para eles não somos mais que insetos, parasitas a serem devorados ou esmagados. Depois de sua chegada, sobreviver se tornará a nossa única razão de existir.
Monstros Gigantes – Kaiju é uma antologia sobre esses arautos da destruição em massa onde 18 criaturas trazem suas versões de como tudo acaba — ou o que fazer para que tudo continue. Organizada e com participação dos terríveis Luiz Felipe Vasques e Daniel Russell Ribas, surpreenda-se com textos catastróficos dos autores Daniel Folador Rossi, Davi M. Gonzales, Sid Castro, Pedro Afonso, Cheile Silva, Barbara Soares, Danilo Duarte, Edgard Refinetti, Adriano Andrade, Leandro Fonseca, Gilson Luis da Cunha, Vitor Takayanagi de Oliveira, Bruno Magno Alves e Gabriel Guimarães.
Enfrente a avassaladora presença ou vivencie a angústia de pessoas marcadas pela vinda desses invencíveis nêmeses. E se houver o dia seguinte à sua marcha apocalíptica, o mundo com certeza não será mais o mesmo.


Monstros Gigantes é uma antologia que está no meu radar desde antes do seu lançamento, mais porque eu planejava enviar um conto pra ela mesmo, mas a preguiça acabou não deixando. Tem um tema bem interessante, então acho que os contos serão uma boa pedida.

  • Boy's Love: Flor de Ameixeira 

Nunca é fácil recomeçar. Especialmente para garotos tímidos e solitários como Naoki Fujimoto. Ao mudar-se para a tranquila e bela cidade de Kushiyama, no interior do Japão, o rapaz depara-se com um conturbado começo de ano letivo na nova escola. O bullying, porém, está longe de ser o pior que poderia acontecer.
Quando conhece Takuma e seus amigos, parece que há uma chance de ter uma boa convivência nessa nova fase de sua vida. Até que eles o desafiam a um teste de coragem. Naoki é forçado a participar do Kokkuri-san, um jogo macabro para conversar com os mortos. Mas essa brincadeira desperta uma tragédia real, que manchou para sempre as paredes da escola, e passa a persegui-los para além de seus limites.
Boy’s Love – Flor de Ameixeira é uma sensível história de amor de Dana Guedes com desenhos de Nyao (Kuloh). Entre mistério e medo, os laços de Naoki e de Takuma se estreitam e seus sentimentos desabrocham como a linda ume, a flor de ameixeira, que colore as ruas. Una-se a eles nessa paixão que pode ser assustadora como os espíritos amargurados, ou aconchegante como o sol que brilha na fria primavera japonesa.

Romance não é muito meu forte, mas geralmente faço uma exceção para literatura queer. Plus se eu não me engano alguns contos das duas antologias da série lançadas pela Draco tem elementos fantásticos/de sci-fi, então né. (Pena que só tem m/m, mas a gente faz o que pode).

  • Até o fim da queda (Ivan Mizanzuk)
1993. Em pouco tempo sete jovens se suicidam, e rumores sobre um ritual ganham as páginas dos jornais. A polícia descarta a opção e dá o caso como encerrado.
Anos se passam e Daniel Farias, um popular escritor de terror, decide reconstituir o caso em sua nova obra. Durante a pesquisa, descobre histórias sobre uma ordem secreta operando em nome de um demônio, o Dragão Vermelho, cujas origens remontariam a um exorcismo ocorrido no século XVI, na Espanha.
Sucesso imediato entre os fãs, o livro alcança a lista de best-sellers e também as páginas policiais, ao se espalhar a notícia de que leitores estariam se matando após a sua leitura. Isso faz as vendas explodirem, e o mistério aumenta quando o próprio Daniel começa a ser vítima de ameaças, enquanto pais preocupados tentam boicotar o livro. 
Livro de estreia de Ivan Mizanzuk, uma das novas promessas do thriller nacional, Até o fim da queda desenha através de cartas, entrevistas e artigos de jornais uma trama de conspirações e inquietudes, ao mesmo tempo em que investiga as mais profundas angústias humanas, e o preço que pagamos ao tentarmos silenciá-las. Descobrir o que se esconde no fundo desse abismo pode custar sua própria sanidade.

Então, esse é um livro que quero muito ler. Ouvi falar do Mizanzuk graças ao AntiCast e a sinopse parece ser muito interessante, mas né... terror/horror não é minha praia. Sou covarde demais pra isso. Mas quero muito ler Até o fim da queda, então quem sabe, né?
  • Brasil Fantástico
As criaturas da mitologia brasileira saem das histórias contadas de geração em geração para serem redescobertas na coletânea Brasil Fantástico – Lendas de um país sobrenatural. Desde os tempos do Descobrimento surgem seres como curupira, saci, boitatá, iara, boto, pisadeira e lobisomem. Estas são apenas amostras das influências de culturas imigrantes e nativas que permeiam o Brasil e formam a nossa cultura popular.
Monstros que assustaram crianças e adultos durante anos — e há ainda quem acredite na existência deles. Com os mais variados estilos e gêneros como o terror, suspense, aventura e humor, as páginas de Brasil Fantástico são o encontro da literatura contemporânea com esse legado da imaginação brasileira.
Para explorar essas regiões perigosas, os organizadores Clinton Davisson, Grazielle de Marco e Maria Georgina de Souza reuniram onze destemidos escritores, nove brasileiros, um português e um estadunidense, uma verdadeira seleção mundial: Allan Cutrim, A. Z. Cordenonsi, Andréia Kennen, Antônio Luiz M. C. Costa, Christopher Kastensmidt, João Rogaciano, Marcelo Jacinto Ribeiro, Maria Helena Bandeira, Mickael Menegheti, Renan Duarte e Vivian Ferreira. Com prefácio do autor best-seller André Vianco, esta coletânea é uma parceria da Editora Draco com o Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Redescubra esses seres que habitam a infância e o imaginário brasileiro de uma forma nunca vista antes.

Brasil Fantástico é outra antologia que quero muito ler. Recentemente ajudei a escolher os contos de uma antologia com tema semelhante, e confesso que é algo que me atrai muito, principalmente se as histórias fugirem do óbvio.

Há outros livros que quero ler, claro, mas os principais são estes. Inclusive já resenhei dois livros da Draco aqui no blog, Império de Diamante do J.M. Beraldo e O Castelo das Águias da Ana Lúcia Merege.

Bem, é isso. Quem quiser saber mais sobre a Draco é só ir lá no site deles. Até mais!

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Resenha: The Thousand Names, Django Wexler


Série The Shadow Campaigns: The Thousand Names | The Shadow Throne | The Price of Valour | Untitled | Untitled 
Django Wexler
Roc
★★★½
Entre em um mundo de fantasia época que ecoa com o som de mosquetes e o clangor do aço - mas onde é verdadeira batalha é contra uma magia sinistra e sutil...
Capitão Marcus d'Ivoire, comandante das guarnições coloniais do império Vordanai, estava resignado a servir seus dias em um posto remoto e entediante. Mas isso foi antes da rebelião que mudou sua vida. E uma vez que a fumaça da pólvora desapareceu, ele foi deixado no comando de uma força desmoralizada agarrada a uma pequena fortaleza no limite do deserto.
Para fugir de seu passado, Winter Ihernglass se disfarçou de homem e se alistou como ranker nos Colonos Vordanai, esperando apenas evitar ser notada. Mas quando o acaso a vê promovida ao comando, ela deve ganhar o coração de seus homens e levá-los para a batalha contra o impossível.
Os destinos de ambos os solados e de todos os homens que eles lideram dependem do recém-chegado coronel Janus bet Vhalnich, que foi enviado pelo rei doente para restaurar a ordem. Seu gênio militar parece não conhecer limites, e sob seu comando Marcus e Winter conseguem sentir a virada da maré. Mas sua aliança será testada quando eles começarem a suspeitar que as ambições do enigmático Janus se extende além do campo de batalha para o reino do sobrenatural - um reino com o poder para inflamar uma ascensão meteórica, remodelar o mundo conhecido e mudar a vida de todos em seu caminho.

The Thousand Names é um livro de fantasia, mas uma fantasia de um estilo que eu não costumo ler (ou mesmo gostar). Ainda assim, a história conseguiu me agradar bastante.

Fantasia militar é um gênero com qual não sou familiar, e o motivo é simples: livros assim geralmente não possuem os elementos que mais me atraem em uma história fantástica (ou o fazem em pouca quantidade/intensidade), ou seja, magia, mistérios, plots intricados, etc. Claro que alguns podem tê-los em uma grande quantidade/intensidade, mas a maior parte foca em uma única coisa: campanhas militares.

Aliás, o próprio nome dessa série já deixa isso claro: The Shadow Campaigns.

Não me entenda errado; eu gosto de uma boa batalha no meu livro de fantasia, mas uma história inteira basicamente só delas? Nope. Não rola.

The Thousand Names, porém, é bem assim. Boa parte da história se resume a batalhas, batalhas e mais batalhas, e quando nenhuma está acontecendo os personagens estão geralmente pensando na próxima. O resultado: terminei o livro até bem satisfeita, mas com a sensação de que tinha algo faltando (aka as coisas que mencionei lá em cima).

Por que gostei de The Thousand Names então? Simples: os personagens. Nenhum se tornou o meu favorito de todos os tempos ou qualquer coisa do tipo, mas fiquei até surpresa com o quanto gostei dos personagens principais (e até mesmo dos secundários). Na verdade, gostei tanto que faltando 10% pro livro acabar eu me mandei para o Goodreads para ler a sinopse do segundo volume só pra ver se todo mundo tinha sobrevivido.

As mulheres de The Thousand Names também foram uma agradável surpresa. Muito bem escritas e, considerando o gênero e o lugar onde a história é ambientada (um deserto em que o exército - só de homens - fica marchando pra lá e pra cá), em bom número, nenhuma delas caiu em cliché algum. Meu favorito do livro foi o Janus, mas a Winter com certeza é uma personagem incrível (tão incrível quanto o Marcus é a personificação do tédio, falando nisso. Engraçado, mas ele me lembra o Marcus de The Dragon's Path - um soldado meio desgastado - no caso do Marcus de The Dragon's Path, ex-soldado -, resignados com a vida miserável que levam até que encontram x pessoa e tudo começa a mudar, ambos com personalidades que induzem ao sono, etc etc etc).

Enfim, The Thousand Names é um bom livro, com uma escrita excelente e personagens bem construídos, mas não é um livro para mim. Meu estilo favorito de fantasia é quase o total oposto de fantasia militar, então né. Mas quem gosta do gênero com certeza achará The Thousand Names uma história incrível. 3.5 estrelas.

PS: Essa é pra quem já leu: a única coisa que me incomodou mesmo foi o quão mal-explicada toda a parada sobre os Thousand Names foi. Sinceramente.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Resenha: O Protegido, Peter V. Brett

Série O Ciclo das Trevas: O Protegido | A Lança do Derserto | The Daylight War | The Skull Throne | The Core
Peter V. Brett
DarkSide
★★★

Ao cair da noite, eles surgem por todos os lados, famintos por carne humana, demônios de areia, de vento e até de pedra, conhecidos como terraítas. Depois de séculos, a humanidade definhou e se tornou refém da escuridão. Arlen, Leesha e Rojer, jovens sobreviventes, atrevem-se a lutar e encarar as trevas. O jovem Arlen recebe os ensinamentos de um mensageiro e descobre que o medo, mais que os demônios, é o mal a ser combatido. Leesha tem a vida destruída por uma simples mentira e se torna ajudante de uma velha e misteriosa ervanária. E o destino de Rojer muda para sempre quando um menestrel chega à sua vila com uma rabeca. Juntos, eles podem oferecer ao mundo uma última, e fugaz, chance de sobrevivência.
O impressionante universo criado por Peter V. Brett - que, assim como muitos de nós, foi educado com uma rígida dieta de romances fantásticos, HQs e Dungeons & Dragons - cativa e emociona o leitor, nos tornando parceiros e reféns de seu mundo e personagens. Peter constrói uma bela metáfora sobre o medo e como precisamos confrontá-lo todos os dias.

Eu tinha grandes expectativas ao começar a ler O Protegido. E, infelizmente, elas foram respondidas apenas em parte.

O mundo que Brett criou é sim extremamente interessante e bem construído. Dá para realmente sentir que estamos em lugar diferente, com regras e costumes diferentes, e isso, é claro, se deve em boa parte aos demônios e à como os humanos aprenderam a se desenvolver diante do perigo que eles representam.

Os personagens também são ótimos. Os principais, Arlen, Leesha e Rojer, são todos bem desenvolvidos e com personalidades próprias (Rojer um tanto menos do que os outros dois por aparecer pouco nesse primeiro volume, apesar de desempenhar um papel importante mais para o final). O livro os acompanha desde sua infância até a vida adulta, e eu gostei bastante da história dos três. Nessa parte eu mal conseguia desgrudar a cara das páginas de tão curiosa que estava sobre como a trama se resolveria.

Mas aí a última parte do livro fez minha satisfação tomar um tombo daqueles.

O que é bem estanho, já que pelas resenhas que li a parte final do livro foi a preferida de muitos. Mas para mim ela pareceu meio... desconectada, principalmente em relação ao Arlen. Ele se transformou em uma pessoa super diferente do nada; ou melhor, anos se passam em um piscar de olhos e puf, a personalidade dele foi praticamente substituída por outra. Foi como se uma boa parte do desenvolvimento dele tivesse acontecido nesses anos que passaram num piscar de olhos, off page, sem que o leitor acompanhasse. E bem, isso me deixou um tanto chateada.

Na verdade, fiquei com a impressão de que O Protegido teria sido um livro melhor se fosse contado meio que em in media res, aka, com a parte final sendo a inicial e o passado dos personagens sendo flashbacks. Não sei se alguém por aqui já leu As Guerras do Mundo Emerso (segunda série do Mundo Emerso, da Licia Troisi), mas a autora lá faz algo assim no primeiro volume e o resultado, pelo que me lembro, é ótimo. Aqui em O Protegido o Arlen ficou quase como duas pessoas diferentes graças a esse desenvolvimento perdido.

E infelizmente boa parte da minha simpatia por ele morreu quando ele se tornou o ~badass~ da história. O distanciamento que o autor acabou colocando entre o leitor - aka eu - e o personagem foi um tanto grande demais. Arlen se tornou mais uma caricatura do que um personagem de fato.

Outra coisa que me incomodou foi o estupro que uma personagem feminina sofreu lá no final. Não pelo estupro em si (que nem é mostrado na narrativa), mas sim pela falta de impacto que isso tem na vida dela. Veja bem, ela foi estuprada por três caras e tudo indica que foi algo terrível, mas aí dois ou três dias depois ela já está querendo fazer sexo com outro cara (que ela nem conhece, mas por qual sente uma espécie de instalove que me fez revirar os olhos demais) e depois disso o estupro não é mais mencionado. É como se ele não tivesse acontecido - ou melhor, como se ele só tivesse acontecido para prover um tanto de angst necessário naquela época e fim. Pra quê fazer uma personagem lidar com esse tipo de trauma, que na maior parte das vezes dura a vida inteira, né? Pra quê? Pff.

É por essas e outras que homens escrevendo sobre estupro fazem todos os meus alarmes dispararem. E bem, espero que no próximo livro isso seja tratado como se deve.

E sim, pretendo ler o próximo livro. O fim de O Protegido foi meio meh na minha opinião (acho que eu acabaria dando umas quatro estrelas pro livro se não fosse por ele), mas deixou em aberto algo que se bem explorado dará uma história ótima. Não vai ser minha prioridade, mas se a oportunidade surgir lerei A Lança do Deserto sem pensar duas vezes. Enfim, 3.0 estrelas para O Protegido.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Dicas de escrita: preparação - planejando o plot de uma série


(Na época em que escrevi esse post estava determinada a escrever minha série principal, A Canção da Fúria, antes de qualquer coisa, mas faz um tempo que a deixei de lado para me dedicar a um projeto mais simples. Ou seja, deixarei A Canção da Fúria para quando eu for uma escritora melhor).

Ou: como planejei o plot de sete livros em uma semana.

Todo mundo sabe que eu venho tentando escrever um livro desde 1.500 a.C, né? Se sabem, provavelmente se lembram do fato de eu nunca ter terminado o diabo do livro, sempre desistindo mais ou menos na metade. Obviamente não sou a única a passar por esse tipo de coisa, e as causas desse “bloqueio” podem ser várias, mas na maior parte das vezes ela é simples: falta de planejamento. 

George Martin uma vez dividiu os escritores entre jardineiros e arquitetos. Os jardineiros vão podando a história na medida que vão escrevendo, sem se preocupar muito com outline ou esquema de capítulos; os arquitetos, por outro lado, organizam praticamente tudo antes de começar a escrever, fazendo as “plantas” da história para ter uma espécie de guia durante sua escrita.

Eu sou uma arquiteta, mas uma arquiteta bem preguiçosa. Onde outros arquitetos planejam até a decoração da casa, eu apenas levanto as paredes e vou jogando baldes de tinta nelas sem nem me preocupar com a cor do negócio. Antigamente nem mesmo as paredes eu levantava; colocava apenas alguns tijolos aqui, algum concreto ali e saía pintando a coisa toda sem olhar para trás. Nem preciso dizer que foi justamente esse tipo de comportamento que me rendeu sete versões não finalizadas do primeiro volume da minha série, né? 

Jardineiros não passam muito por isso, já que eles vão fazendo a coisa toda enquanto escrevem. Mas meu cérebro não funciona desse jeito, e por isso tive que sentar para pensar no plot do meu primeiro livro depois de anos dando murro em ponta de faca. A primeira vez que fiz algum tipo de planejamento foi em 2012, quatro anos depois de eu ter começado a escrever a história, e nessa ocasião defini também sobre o que seriam os outros três livros da então série de quatro que eu planejava escrever. Mas foi um definir meio “fulano faz tal coisa no livro 2, cicrano faz isso no livro 3 e beltrano faz aquilo lá no livro 4”, ou seja, a coisa era muito vaga. Eu não tinha saco nenhum para planejar o plot de livros que eu não ia escrever tão cedo, então deixei pra lá.

Caso você esteja se perguntando, sim, isso é burrice. A depender do tipo de história que você está pensando em escrever, não planejar pelo menos o mínimo dos próximos volumes é receita para a catástrofe. Imagine só: você escreve o livro 1, consegue publicá-lo, e vai escrever o livro 2 para só então perceber que precisava ter inserido algo no primeiro volume para o segundo fazer sentido. E aí, o que fazer em uma situação dessas? Sentar e chorar, obviamente.

Como já disse umas quinhentas vezes aqui, quero que a oitava versão do meu livro seja a última (well, pelo menos a última do primeiro rascunho), então dessa vez estou me preparando bem melhor. E me preparar melhor inclui planejar os outros livros para que depois eu não tenha que voltar para o primeiro e mudar muita coisa para adequá-lo à história do segundo, terceiro, quarto, etc, já que só pretendo tentar publicar quando já tiver pelo menos metade da série escrita. No meio desse planejamento todo, acabei tendo várias ideias e o número de livros subiu para sete (me deixem sonhar), mas enfim, como eu fiz isso?

Demorou menos de uma semana. Cinco dias, para ser exata. Sabe aquele pseudo-planejamento que eu tinha feito lá em 2012? Bem, eu não me lembrava mais dele. O que eu tinha na hora que sentei para planejar os então quatro livros eram apenas cenas soltas para me orientar. Para vocês terem uma ideia, esse era o nível do desespero:


Como dá pra perceber, eu tinha as ideias (bem… quase tinha), mas eu não fazia ideia de quando elas aconteciam ou como elas aconteciam (essa imagem é só sobre as mortes, mas essa situação era meio que com tudo mesmo). E quando eu fazia era só uma ideia de uma cena ou duas para um livro inteiro, o que obviamente é o cúmulo da falta de planejamento. Isso me deixou frustrada. Muito frustrada. Tentei seguir algumas dicas que achei aí pela internet, mas nada ajudava. Mais frustrada ainda, decidi então resolver meu maior problema no momento: o que aconteceria em qual livro?

Peguei uma folha (não presto para fazer nada no laptop porque Tumblr e Twitter existem) e de um lado coloquei todas as ideias para acontecimentos/cenas que eu tinha para a história de forma enumerada, mas não em ordem (afinal, eu não sabia o que vinha primeiro também). Do outro, dividi em seções para o livro 1, 2, 3 e 4. Mais ou menos assim:


E aí, com tudo que eu tinha para a história jogado em uma única folha de papel, eu consegui raciocinar melhor. Fui colocando o que eu achava que ia acontecer em cada livro na seção de cada um através apenas do número da ideia/acontecimento (para não ter que perder tempo escrevendo e tal) e depois de algumas horas (passei a tarde inteira fazendo isso) eu finalmente consegui definir quando todas as cenas/acontecimentos que eu tinha na minha mente iriam acontecer. Foi um processo penoso e meio confuso, claro. Mudei uma cena/acontecimento de livro y pra livro x umas mil vezes e tive que criar mais cenas/acontecimentos que levariam à cena/acontecimento de um livro seguinte várias vezes. Mas no final eu tinha os agora sete livros (evoluiu pra sete durante essa etapa mesmo) com as bases que eu usaria para desenvolver o plot de cada um. Depois de oito anos ruminando apenas o plot de um livro, eu tinha planejado sete em apenas umas cinco horas. Nem preciso dizer que eu estava mega animada, né? (Quem me segue no Twitter viu meu desespero/animação de perto).

Mas essas bases para plot não são um plot de verdade, obviamente. Havia mais trabalho a fazer, e foi exatamente isso que eu fiz nos outros quatro dias que usei para planejar tudo. Antes de partir para cada livro e trabalhar neles individualmente, separei outra folha e fiz um resumo bem curtinho de cada um usando as cenas/acontecimentos que eu tinha separado na etapa anterior, tentando escrever tudo na ordem cronológica. Mais ou menos assim:


(Fiz com sete livros e não quatro, mas dá pra entender).

Algumas outras ideias apareceram durante a escrita desse resumo e eu as adicionei, claro. Quando finalmente terminei, eu tinha uma base melhor, por assim dizer; os acontecimentos de cada livro estavam bem mais claros na minha mente, mas eu ainda não tinha o verdadeiro esqueleto da história. As coisas ainda estavam bem vagas. Não tanto quanto antigamente, claro, já que agora eu sabia o que aconteceria em cada volume, mas nope, nenhum plot pronto ainda. Faltava uma coisa essencial: os personagens e suas motivações.

Com o que mostrei aqui hoje consegui o plot da minha série, mas a partir daí foi preciso mergulhar em cada livro para arrancar a estrutura verdadeira deles, mas disso eu vou falar no próximo post aka na matéria sobre como planejar o plot de um livro. 

Resumindo:
  • Faça uma lista dos acontecimentos ou cenas que você tem para sua série.
  • Enumere esses acontecimentos/cenas.
  • Tenha um espaço em seu caderno/Word para colocar os acontecimentos e cenas de cada livro.
  • Use os números de cada cena/acontecimento para distribuí-los pelos livros.
  • Faça um resumo a partir dos acontecimentos/cenas reunidos.

OBS: O método dos cinco ou oito pontos pode ser visto em séries também. Cada série tem seus livros de exposição, ação crescente, clímax, ação decrescente e resolução. O último é que geralmente fica com clímax/ação decrescente e resolução, mas não se engane: uma série é estruturada de modo semelhante a um livro único, com cada volume agravando ainda mais a história do anterior até que o clímax e a resolução sejam alcançados. Seria uma boa ver se sua série se encaixa nessas estruturas também!

Enfim, continuo as matérias sobre plot no próximo post. Espero ter ajudado e qualquer coisa é só deixar um comentário.

domingo, 30 de agosto de 2015

Resenha: Estações de Caça, Lauro Kociuba

Série Alvores: A Liga dos Artesãos: Tales IEstações de Caça: Haakon I
Lauro Kociuba
★★★★

Quatro experiências. Quatro episódios. Quatro estações.
“Estações de Caça” conta a história de Haakon, um menino de linhagem nórdica no antigo Reino Unido do século X, em quatro fases distintas de sua infância. Ambientada no universo Alvor, com toques e requintes das mitologias nórdica e celta, o autor traz nesta novela uma nova experiência narrativa, diversificada em seus quatro episódios distintos.


Estações de Caça é o segundo livro da série Alvores, do autor brasileiro Lauro Kociuba. Já resenhei o primeiro e você pode conferir a resenha dele aqui, mas não se preocupe: não é necessário ter lido A Liga dos Artesões para ler Estações de Caça; apesar de se passarem no mesmo mundo (uma versão alterada do nosso, com elfos, orcs, deuses nórdicos, etc), ambos se passam em épocas diferentes, com A Liga dos Artesões acontecendo na atualidade e Estações de Caça em um vilarejo nórdico do século X.

Apesar de ter gostado de A Liga dos Artesões, confesso que, pra mim, Estações de Caça é uma obra bem melhor em todos os sentidos. Notei um ou outro errinho de vírgula (muitos poucos mesmo), mas no geral a escrita é mais bem desenvolvida e madura, e realmente consegue fazer com o leitor se sinta dentro da história. A ambientação também é muito boa, com as cenas na floresta em especial sendo muito bem escritas. Foram, provavelmente, minha parte preferida da história.

E falando em história, apesar de Estações de Caça ser uma obra curta (é uma novela, afinal de contas), a trama é bem construída e tem um bom ritmo. É dividida em quatro momentos da vida do protagonista, Haakon, (com os dois do meio sendo os melhores, na minha opinião), que mostram como a vida do garoto acaba se interligando com os mistérios do mundo Alvor (e dos deuses também claro).

A única coisa que não me agradou tanto assim foi o final um tanto abrupto. Nada grave, óbvio, mas eu teria gostado de algo mais demorado, por assim dizer, e que trouxesse um tiquinho mais de intensidade. Mas não me preocupo muito; o fim deixou claro que o melhor da história de Haakon ainda está por vir.

Os personagens também são ótimos. São poucos, mas todos me convenceram. Os pais de Haakon em especial são excelentes, assim como uma certa pessoa que já tinha dado as caras em A Liga dos Artesãos e Eol'badeu, que foi muito bem caracterizado.

Enfim, Estações de Caça foi uma leitura muito boa e uma novela que indico pra todo mundo. 4.0 estrelas.

(Aliás, ontem foi o lançamento dela na Amazon! Quem quiser ler algo rápido de boa qualidade, fica a dica uwu)

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Resenha: A Herdeira do Mar, Ize Chi Kiohaan

A Herdeira do Mar
Ize Chi Kiohaan
★★½

Cordélia Dolphin é uma adolescente quase normal: ela e seu pai já moraram em diversos países por conta do trabalho dele, e dessa vez estão se mudando para a praia de Tamarama, uma pequena península localizada no estado de New South Wales, Austrália. Carregando um trauma por quase ter morrido afogada em sua infância e por ter perdido sua mãe antes mesmo de conhecê-la, Cordélia tenta viver sua vida, encontrando novos amigos e um possível candidato a namorado.
Seu mundo vira de cabeça para baixo com a chegada de Morgan, um rapaz misterioso que rodeia sua casa e sabe detalhes sobre ela impossíveis de um desconhecido saber. Ao completar seu aniversário de dezoito anos, a vida que conhece muda completamente: ela descobre que sua mãe era uma sereia, filha do Rei de Atlântida, o governante de todos os mares. Morgan finalmente mostra a que veio: ele é um tritão, designado a protegê-la e guiá-la desde o dia em que nasceu.
Uma guerra subaquática se desenvolveu durante toda sua vida e agora é a hora de voltar e assumir seu posto de Princesa Herdeira; mas como, se sua vida humana lhe parece finalmente perfeita? Com suas barbatanas e guelras aparecendo, ela tenta continuar com sua rotina, mas as interferências de Morgan se tornam cada vez mais frequentes, e um sentimento por seu guardião pode atrapalhar todos os planos. Presa entre mitos e tradições, Cordélia terá que amadurecer como princesa e descobrir uma forma de lidar com sua nova vida, que cada vez mais se mistura à que conhecia.

Uma cópia digital foi cedida pela autora em troca de uma resenha honesta. Obrigada!

A Herdeira do Mar é um livro interessante, mas que não me cativou por um motivo: o romance. Mas falemos sobre as coisas que eu achei serem boas primeiro.

A escrita da autora é um dos pontos fortes do livro. Ela não é muito leve e nem é daquelas arrastadas, ficando em um confortável meio-termo que não cansa e não é rasa. Apesar de eu ter achado o ritmo do livro um pouco lento (principalmente no meio), a escrita consegue ser ágil e é muito eficiente em trazer os personagens e os lugares mostrados durante a história à vida.

Falando em história, a mitologia envolvendo o povo do mar me agradou bastante. Confesso que sereias/tritões não são exatamente minhas criaturas mitológicas preferidas - o que pode ser até por falta de oportunidade, já que raramente leio livros em que eles sejam personagens importantes -, mas aqui em A Herdeira do Mar eu os achei interessantes e bem construídos. A ideia da sociedade do povo do mar ser super perfeita e pacífica me incomodou um pouco, porém, já que pra mim isso torna as sereias/tritões "divinos" demais e, portanto, difíceis de se simpatizar. 

O que fez com que eu não caísse de amores por esse livro foi o romance, como disse lá em cima. Gostei do resto inteiro, mas como o romance é um elemento muito importante para a história - o mais importante, eu diria - meu nível de satisfação acabou não ficando muito alto. E aqui reconheço, claro, que meu gosto pessoal influenciou muito nisso. Não sou a pessoa mais romântica do universo, como vocês sabem, e (acredito) por isso poucos romances chegam a me agradar de verdade. A maioria passa por mim batida, mas confesso que o de A Herdeira do Mar me irritou mais do que me deixou impassível.

Meu problema começou já no início, quando o casal - Cordélia, a protagonista, e Morgan, seu guardião - "se conhece", e aqui as aspas são necessárias porque, bem, Morgan, sendo o guardião de Cordélia, a vem protegendo desde que ela era um bebê (ele é seis anos mais velho que ela, e sim, ele a protege desde que tinha seis anos mesmo) apesar de Cordélia nem saber da sua existência. Cordélia quase é atropelada por ter se distraído ao vê-lo e após esse rápido encontro passa a não conseguir tirá-lo de sua cabeça. Romances assim são exatamente o tipo de romance que não servem pra mim mesmo. Quero dizer, é normal você ver uma pessoa linda/bonita/estonteante e ficar com ela na cabeça por um tempo após ter um encontro rápido com ela, mas semanas? Não cola comigo. Não há lógica nenhuma por trás disso, nenhuma explicação além de os dois serem o casal principal da série e obviamente precisamos que eles se apaixonem (e sim, aqui é meu lado aquariano falando). Mesmo sendo romance e coisa e tal, lógica pra mim ainda é indispensável.

A partir daí as coisas se desenvolveram mais ou menos como eu temia. Apesar de haver sim um desenvolvimento no relacionamento entre Morgan e Cordélia, é a atração física entre os dois que realmente se faz presente. A atração emocional aparece do nada (pra mim) depois, já extremamente forte. E quando digo extremamente forte estou falando sério; a coisa é tão drástica que ficar alguns dias longe de Morgan faz Cordélia quase entrar em parafuso, com direito a declarações de que não poderia, de jeito nenhum, viver sem ele/que a vida não tem mais sentido sem ele e coisas do tipo, o que são um grande nope pra mim. Gosto de casais que sim, se amam, mas que não são estupidamente dependentes um do outro para viver, já que não considero isso algo muito saudável ou normal. Ou romântico, para falar a verdade. 

Junte isso ao fato de que Cordélia não se importa, por motivos desconhecidos, com o fato de que Morgan passa boa parte do tempo a seguindo de um lado para o outro sem ser visto (isso antes de ela saber que ele é seu guardião) com ele já estar apaixonado por ela quando ela tinha 14 anos e ele 20 (Cordélia até brinca que isso deveria ser considerado pedofilia, mas né, isso é pedofilia) e puf, romance que não foi feito pra mim. Sério mesmo.

Isso não quer dizer, é claro, que o romance é ruim ou coisa do tipo... Mas não funcionou pra mim, infelizmente. Tirando isso achei o livro muito legal (SPOILER! mas eu bem que queria que a Cordélia tivesse ido pro mar ainda no livro 1 ao invés de ter deixado isso pros próximos volumes, apesar de eu entender o porquê de isso ter sido feito FIM DO SPOILER!), então, né, fica 2.5 estrelas, quase 3. 

domingo, 16 de agosto de 2015

Rant literário: Por que homens têm tanta dificuldade em escrever mulheres?


Podem me chamar de lenta, mas passei boa parte da minha vida - e ainda, boa parte da minha vida após começar a escrever - sem ter a mínima noção de que para homens era tão difícil escrever mulheres. Sei que não são todos, claro, mas é impressionante o número de escritores do sexo masculino que comenta o quão difícil é escrever uma personagem do sexo feminino, principalmente em gêneros como a fantasia e a ficção científica. É só dar uma olhada nas entrevistas de autores que tenham personagens femininas de relevância em suas histórias; boa parte delas vai incluir uma pergunta sobre a tal da dificuldade que homens sentem ao fazer tal coisa. Mas olhe para as entrevistas de autoras que têm personagens masculinos de importância em seus livros e, bem, raramente a pergunta equivalente é feita a elas.

Isso não quer dizer, é claro, que não existam mulheres que tenham dificuldade em escrever homens. Já encontrei várias, mas mesmo assim as dúvidas delas não eram as mesmas dos homens que tinham dificuldade em escrever mulheres. Enquanto elas se perguntavam, e se meu personagem masculino acabar muito sensível? eles se questionavam, e como diabos uma mulher pensa?

Dá pra perceber a diferença entre as duas perguntas, né? Pois bem, foi a partir daí que eu comecei a notar que havia alguma coisa de suspeita nessa discussão toda. Coincidentemente, isso aconteceu na mesma época que uma treta envolvendo o escritor Andrew Smith, autor de Grasshoper Jungle, aconteceu lá fora. Em uma entrevista, a seguinte pergunta foi feita a ele:

Q: On the flip side, it sometimes seems like there isn’t much of a way into your books for female readers. Where are all the women in your work? 

(Por outro lado, parece que não há muito espaço em seus livros para leitoras. Onde estão as mulheres em suas obras?)

A: I was raised in a family with four boys, and I absolutely did not know anything about girls at all. I have a daughter now; she’s 17. When she was born, that was the first girl I ever had in my life. I consider myself completely ignorant to all things woman and female. I’m trying to be better though.

(Eu fui criado em uma família com quatro garoto, e eu absolutamente não sabia nada sobre garotas. Eu tenho uma filha agora: ela tem 17 anos. Quando ela nasceu ela se tornou a primeira garota que eu tive na minha vida. Eu me considero completamente ignorante em todas as coisas envolvendo mulheres. Estou tentando melhorar, porém).

A resposta dele causou furor entre leitoras, escritoras e blogueiras. A principal questão levantada foi, basicamente, se garotas/mulheres eram assim tão estranhas, quase alienígenas, a homens/garotos que escrever uma personagem feminina sem ter algum parente desse gênero era assim tão difícil. Você pode ler um resumo da treta toda aqui, em inglês, inclusive alguns tweets sobre o assunto.

Fiquei um bom tempo com Andrew Smith e sua resposta na cabeça e, lendo alguns tweets, posts, etc, feitos por mulheres sobre essa confusão toda, comecei a entender porque para homens é tão bizarramente difícil escrever mulheres. Algum tempo antes outro acontecimento no mundo literário já tinha me dado a resposta, embora eu ainda não soubesse disso, óbvio.

Tudo começou quando a escritora Shannon Hale, autora de Princess Academy, fez um post intitulado No Boys Allowed: School visits as a woman writer, ou Não é permitido garotos: visitas escolares enquanto escritora. Nele (você pode lê-lo, em inglês, aqui), ela fala sobre como, de vez em quando, as escolas em que ela dá palestras sobre os livros dela ou sobre escrita não liberam os garotos, deixando que apenas as garotas a assistam. Segundo ela, o mesmo não acontece com os escritores homens que também dão palestras; para eles, garotos e garotas são liberados. No final de uma de suas palestras - essa com garotos e garotas - um menino ficou para trás para lhe pedir, completamente envergonhado, por uma cópia de seu livro - um livro sobre uma garota, e "pior", um livro sobre uma garota que era uma princesa.

Fica a pergunta: por que o menino se sentiu tão envergonhado a ponto de esperar que todos os seus colegas irem embora antes de pedir uma cópia do livro?

Hale fala um pouco sobre isso em seu texto:

I think most people reading this will agree that leaving the boys behind is wrong. And yet--when giving books to boys, how often do we offer ones that have girls as protagonists? (Princesses even!) And if we do, do we qualify it: "Even though it's about a girl, I think you'll like it." Even though. We're telling them subtly, if not explicitly, that books about girls aren't for them. Even if a boy would never, ever like any book about any girl (highly unlikely) if we don't at least offer some, we're reinforcing the ideology.

I heard it a hundred times with Hunger Games: "Boys, even though this is about a girl, you'll like it!" Even though. I never heard a single time, "Girls, even though Harry Potter is about a boy, you'll like it!"

Eu acho que a maioria das pessoas vai concordar que deixar os garotos pra trás é errado. E ainda, quando damos livros para garotos, com que frequência os oferecemos livros que têm garotas como protagonistas? (Princesas até!) E quando o fazemos, nós os qualificamos: "mesmo que seja sobre uma garota, eu acho que você vai gostar". Mesmo que seja. Nós os estamos dizendo sutilmente, se não explicitamente, que livros sobre garotas não são para eles. Mesmo que um garoto nunca fosse gostar de livro algum sobre uma garota (altamente improvável) se nós não tentamos oferecer alguns, estamos reforçando essa ideia.

Eu ouvi isso cem vezes com Jogos Vorazes: "garotos, mesmo que seja sobre uma garota, vocês vão gostar!" Mesmo que seja. Eu nunca ouvi, "garotas, mesmo que Harry Potter seja sobre um garoto, vocês vão gostar!"

E é aqui que, pra mim, está resposta para a pergunta que dá título a esse post: meninos são educados desde cedo a ver meninas como seres completamente diferentes deles, e isso resulta no e como diabos uma mulher pensa? na hora de escrever.

Meninas, por outro lado, não passam por isso. Como a escritora Phoebe North disse durante o caso de Andrew SmithThe thing I keep think about the Andrew Smith thing is that you can't be a woman and know nothing about men, ou, a coisa que eu continuo pensando sobre Andrew Smith é que você não pode ser uma mulher e não saber nada sobre homens.

Mulheres - ou pessoas criadas como mulheres - são criadas com o POV masculino dominando todos os modos de se contar história. Os livros que lemos na escola são, em sua maioria, escrito por homens sobre homens; os filmes que vemos no cinema estrelam espiões, guerreiros, etc, e já estamos com sorte se houver mais de uma mulher no elenco principal; séries e programas de TV também focam na narrativa masculina, e a feminina é muitas vezes representada apenas nos programas e séries para mulheres. Vale frisar também que não existe filme, livro ou série/programa para homens, mas existem os para mulheres. O ponto de vista masculino é visto como universal; o feminino é exclusivo das mulheres, e o homem que se interessar nele é ridicularizado - e essa é a razão do menino lá da palestra de Shannon Hale ter esperado seus colegas irem embora antes de pedir pelo livro. 

(Por exemplo, lá nos EUA/países que falam língua inglesa existem fiction - ficção - e women's fiction - ficção de mulher. Não há uma necessidade de men's fiction - ficção de homem - porque o POV dos homens é visto como interessante a todos e se torna apenas o fiction enquanto o das mulheres é visto como interessante apenas às próprias mulheres.) 

Assim, condicionados pela sociedade - e por sociedade aqui quero dizer mesmo família, amigos, conhecidos, professores, etc -, garotos crescem se afastando cada vez mais da narrativa, da experiência feminina. Se eles tentam se aproximar correm o risco de ter sua masculinidade (e às vezes até sexualidade) questionada e ridicularizada. Então eles se afastam mesmo e, quando adultos, às vezes nem sequer se arriscam a escrever mulheres justamente por terem essa ideia bizarra de que elas são intrinsecamente diferente deles. Spoiler: não são. Afinal, mulheres vêm escrevendo homens há zilênios sem muitos problemas. Com o conhecimento adquirido através de toda uma vida sendo exposta ao masculino, a maior parte delas senta para escrever um homem sem se desesperar. Mas o homem, privado da exposição ao feminino, não tem tanta sorte.

Quando Hale fez seu post, um outro escritor, Andrew Harwell, fez um em resposta intitulado I Was That Boy ou Eu Era Aquele Garoto, que você poder aqui em inglês. O trecho abaixo ilustra bem o que quero dizer (só a tradução porque é um tanto longo):

Flashback para a escola elementária. Eu já era um leitor ávido, devorando Goosebumps e Redwall e muitas outras séries "gênero neutro" que o vendedor de livros me indicava (eu coloco "gênero neutro" entre aspas porque obviamente aqueles livros eram de escritores homens). Minhas irmãs gostavam de Angelina Ballerina e The Babysitters Club, que me intrigavam, mas claramente não eram para mim. Os livros de Judy Blume iam para o quarto da minha irmã; os livros de Hardy Boys iam para o meu. Eu tenho certeza que os adultos da minha vida que fizeram essa bifurcação acontecer o fizeram querendo fazer o melhor. Eu sei que meus pais especificamente o fizeram porque não queriam que zombassem de mim caso eu gostasse de "coisas de menina". Essa é uma coisa sobre o patriarcalismo - ele sobrevive graças ao medo. (...)

Flash forward para o ensino médio, quando a garota em minha sala que era conhecida por ler tudo (sério - ela leu Anna Karenina com 13 anos) estava lendo um livro antes da aula que imediatamente me chamou a atenção. Havia uma garota na capa, iluminada por uma luz vermelha. Estava claro que essa luz era algum tipo de mágica. Era o segundo livro na série Daughters of the Moon e eu furtivamente perguntei a minha colega de classe se ela tinha os livros e se eu podia pegar o primeiro emprestado. Fiquei imediatamente viciado. Todo dia, eu passava pra ela o livro que eu tinha acabado de terminar e ela me passava o próximo. Eu lembro de ter defendido os livros para outro colega de classe que viu a troca acontecer. Eles são todos sobre batalhas mágicas, eu disse. Essas garotas são lutadoras! Violência! Qualquer outra coisa que garotos gostem! Eu não mencionei como os livros empurravam as linhas de gênero e sexualidade. Eu não mencionei Stanton, o sexy, mas torturado vilão. (...)

Meu ponto é que quando leio uma história como a de Shannon Hale, isso me lembra do quão sortudo eu fui de encontrar os livros que eu precisava na vida. Isso me lembra do pânico que eu sentia quando dava algum livro como os crossovers de Hardy Boys e Nancy Drew para minha mãe comprar, sabendo que se ela começasse a lê-los saberia instantaneamente que era um livro de romance, não para garotos. Isso me lembra que eu provavelmente não teria tido coragem o suficiente para esperar e perguntar a Shannon Hale por uma cópia de The Princess in Black, sabendo que até mesmo meus professores e treinadores estariam julgando aquela decisão. Isso me lembra do quão grato eu sou a aquela colega de classe que me passou Daughters of the Moon sem julgamento.

Ou seja, o menino que se interessar em qualquer coisa "de menina" está sempre sob o perigo de ser alvo de piadas, provocações e em alguns casos até de agressões. E sem ter contato algum com essas "coisas de menina" é muito difícil resistir à ideia de que mulheres e homens são fundamentalmente diferentes, tanto que até o modo de pensar de cada grupo é oposto, alienígena.

Mas homens e mulheres (e pessoas de outros gêneros) não são fundamentalmente diferentes. Claro que ser criado como mulher ou homem proporciona algumas diferenças sim, principalmente graças à sociedade machista em que vivemos, mas lá no fundo nossos sonhos, medos, desejos, etc, são extremamente parecidos. Por isso que lá no início, quando eu mal entendia essa dificuldade que os homens tinham em escrever mulheres, eu ficava tão surpresa com a situação toda. Não entrava na minha cabeça que homens realmente não sabiam como diabos uma mulher pensa. Afinal, como alguém que foi criada como uma mulher, eu nunca me perguntei como diabos um homem pensa. Não digo saber com toda certeza (não sou vidente e não sou um homem, então vamos com calma), mas homens, mulheres, pessoas de gêneros não-bináries, são, no fim das contas, humanos. O que pode ter de tão diferente na experiência humana? Eu não entendia.

Agora entendo mais.

Mas, para ser sincera, isso não faz dessa questão toda algo menos bizarro. Quando vejo posts e entrevistas de autores homens - autores homens que eu gosto! - onde eles dizem o quão difícil é escrever uma mulher eu quase tenho que me impedir de gritar mas como assim?? para a tela do laptop. Como vocês (provavelmente) sabem, sou agênero, não me identifico nem como homem e nem como mulher, e durante minha vida inteira sempre escrevi meus personagens mais me baseando em suas experiências de vida do que no gênero com que eles se identificam, e isso antes de descobrir que eu podia ser outra coisa que não homem ou mulher. O fato de boa parte dos meus personagens AMAB (aka registrado como homem ao nascer, já que um bom número deles é não binárie como eu porque sim) serem grayasexual, demisexual ou asexual sempre me fez encarar os posts que dizem que homens reparam em corpo primeiro enquanto mulheres notam os olhos com um tanto ceticismo, o que contribuiu para meu hábito de continuar ignorando qualquer coisa que diga mulheres agem assim! homens agem daquele jeito! Acredito que existam características comuns a cada gênero - em sua maioria moldadas pela sociedade mesmo - sempre vai ter muita, mas muita gente se desviando dessas "regras".

Então, pra mim, no fundo, meio que não importa. Personagens de qualquer gênero são, como eu disse, humanos (ou criaturas que emulam o ser humano) e tratá-los como tal antes de tudo é o que realmente faz a diferença em qualquer livro.